“Vivemos num mundo de abundância nunca antes vista e de uma espécie tal que dificilmente se poderia sequer imaginar há um ou dois séculos atrás. (…) O século XX instituiu o modo de governo democrático e participativo como o modelo superior da organização política. Os conceitos de direitos humanos e de liberdade política tornam-se hoje, em grande medida, parte do discurso dominante. (…) E no entanto vivemos ainda num mundo de notáveis privações, indigência e opressão. Há juntamente com os velhos, muitos problemas novos, incluindo a persistência da pobreza e das necessidades elementares insatisfeitas (…) Superar estes problemas é uma parte fulcral da forma como se exerce o desenvolvimento”.
Amartya Sen (1999) – “O Desenvolvimento como Liberdade”
Actualmente existem cerca de 73 países, que abrangem 42% da população mundial, onde ainda não são realizadas eleições livres e/ou justas, e 106 governos que ainda restringem muitas liberdades civis e políticas. Assim, uma enorme fatia da população mundial vê ainda hoje a sua liberdade de expressão condicionada ao regime em vigor no seu território e os seus direitos de participação cívica bastante limitados. Em geral, e com especial destaque pela sua forma opressiva e restritiva de actuar, tratam-se de regimes do tipo ditatorial, ou seja, de sistemas políticos em que o poder se concentra nas mãos de um indivíduo, de um grupo, de uma assembleia, de um partido ou de uma classe e que suprime as liberdades individuais, exercendo o seu poder de forma arbitrária, com tirania e opressão.
Se representarmos espacialmente, num mapa-mundo típico europeu, a distribuição dos países onde se encontram instaurados regimes ditos restritivos de liberdades cívicas e políticas e/ou onde a liberdade de expressão se encontra limitada ou muito limitada, rapidamente nos salta à vista uma grande mancha no “centro” e “Este” do mundo, mais precisamente nos continentes africano e asiático. Sem que nos deixemos avançar logo para grandes teorias e perder em ideias que possam explicar esta distribuição/concentração da “não liberdade” mundial, há uma primeira, inevitável e certa, impressão de que estamos igualmente perante uma representação de países pouco desenvolvidos ou em vias de desenvolvimento (não confundir aqui o conceito de desenvolvimento com o de riqueza ou de poder económico, pois muitas vezes países muito ricos ou com grande poder económico são pouco desenvolvidos ou assim considerados, como são os casos, por exemplo, da Rússia, China, Arábia Saudita e Angola; e também porque normalmente é feita essa relação quando até é mais frequente uma relação do tipo país muito rico e subdesenvolvimento e pobreza).
Existe em geral, numa análise pessoal, uma boa correspondência entre os territórios onde se verifica subdesenvolvimento e ao mesmo tempo falta de liberdade de expressão, cívica e política da população. Mas será que é mesmo verdadeira esta correspondência? Haverá realmente uma ligação entre falta de liberdade de expressão, cívica e política e subdesenvolvimento? Eu respondo talvez sim..
Segundo a ONU – Organização Nações Unidas – a governação democrática pode desencadear um “ciclo virtuoso de desenvolvimento, na medida em que a liberdade política dá poder às pessoas para exercer pressão a favor de políticas que aumentem as oportunidades sociais e políticas, e na medida em que debates abertos ajudam as comunidades a moldar as suas oportunidades”.
Certíssimo! Não poderia estar mais de acordo.
E, de facto, se fizermos o mesmo exercício, mas desta vez para a relação entre liberdade de expressão total (ou regimes democráticos e participativos) e desenvolvimento, verificamos que a mancha de países mais desenvolvidos corresponde em grande medida à mancha de países onde a liberdade de expressão é total, como são os casos da Suécia, e outros países da União Europeia, e dos Estados Unidos da América.
Tal como a relação anterior, esta também não é de ignorar e leva a que uma resposta positiva à questão da existência de uma relação entre subdesenvolvimento e falta de liberdade de expressão se torne mais segura.
Posto isto, eu pergunto:
Estará a liberdade de expressão para o desenvolvimento de um país assim como está um povo para a sua nação, os governantes e “governados” para a política e os crentes para a religião? Será a liberdade de expressão essencial para que exista desenvolvimento no mundo?
Será que o desenvolvimento global de um país é, de facto, afectado negativamente pela existência de um regime ditatorial?
e
Em que medida as liberdades civis e políticas potenciam e promovem a riqueza e o desenvolvimento de um país?
e
Atendendo ao caso português, o que nos trouxe o antigo regime em termos de desenvolvimento para o país e em termos de “crescimento intelectual”?
Aprendemos nós a(lguma) lição ou é verdade que há ainda quem defenda que “o que faz falta a este país é um Salazar!”?
Estaremos nós na “cauda” da União Europeia em índice de desenvolvimento humano em grande parte devido ao regime que durante mais de 40 anos vigorou e “dirigiu” o nosso país?
Seremos nós um exemplo para os muitos países onde a liberdade de expressão está ainda limitada?
B. Borges
Caro Bruno,
Li e reli o teu spot e devo dizer que há algum tempo que ando a remoer este tipo de questões.Estou de acordo com o que li a,digamos, 99%.
E fica tanto por dizer.
Temos aqui um tema, inesgotável, para discutirmos.
Gostaria de ler opiniões de pessoas com ideologias políticas diversas.
Por mim, e numa primeira reacção, julgo que há uma forte correlação entre democracia e economia de mercado e dela resulta o desenvolvimento económico e social.
Mas há sempre forças e interesses que procuram encontrar pontos fracos, que existem, neste sistema duplo, para tirar vantagens pessoais ou corpotativas.
É, digamos de uma forma simplista, a eterna luta entre o bem e o mal.
Mas, como dizia W. Churchill, ainda não se encontrou uma fórmula melhor para promover e conseguir um desenvolvimento consistente.
Nenhuma "fórmula" conhecida e testada até hoje conseguiu alcançar melhores resultados, bem pelo contrário.
Resumindo e simplificando penso que hoje só podemos lutar ou para melhorar o tal sistema duplo "democracia representativa+economia de mercado", procurando que a riqueza gerada seja distribuida de forma mais equitativa, que a exclusão, a pobreza, a violência...sejam combatidas mais eficazmente, ou
que se desnvolva uma nova teoria filosófica, capaz de gerar melhores resultados na luta pelo desenvolvimento da Humanidade.
Um abraço e parabens do
AC
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