Quinta-feira, 26 de Janeiro de 2006
Reprodução do artigo publicado no DN de ontem:
Até final de Março, o coordenador do grupo de trabalho encarregue de rever a Lei de Finanças Locais (LFL), Paulo Trigo Pereira, promete entregar ao Governo a proposta que visa reformar por completo o actual sistema de financiamento das autarquias locais. Na sexta-feira, em Lisboa, especialistas em finanças públicas e autarcas, reunidos em seminário, vão escutar as experiências da Noruega, Bélgica e Suécia, visando delas retirar ensinamentos para aplicação à legislação portuguesa.
Os oradores deste seminário, oriundos da Noruega, Bélgica e Inglaterra, parecem ter sido escolhidos a dedo. São exemplos a seguir no novo modelo de financiamento local?
São três modelos interessantes, porque estamos a pensar - e isto já foi falado pelo primeiro-ministro e pelo secretário de Estado - numa partilha de receitas do IRS para a as autarquias. Este é o modelo em vigor na Noruega, Suécia e Bélgica há já alguns anos, os quais têm já uma larga experiência neste domínio.
Uma derrama?
Ainda não está esclarecido. Em alguns desses países existe uma derrama sobre o IRS. E, com esse grau de autonomia, já há experiência sobre o que acontece à competição intermunicipal. É interessante conhecermos essas experiências para aprendermos com as coisas boas e eventualmente menos boas.
Usar o IRS como fonte de financiamento é orientação definida?
Pensamos que essa orientação é interessante para as finanças locais, tendo em conta que o programa do Governo aponta para uma diminuição do peso relativo das receitas associadas ao património (designadamente das novas construções) nas receitas locais. Essa deve ser uma via e daí os convites que foram feitos a esses colegas de universidades estrangeiras para virem falar disso. O professor HansJoerg Bloechlinger, da OCDE, irá dar uma panorâmica das grandes tendências do federalismo orçamental na Europa. Em Portugal, temos tido sempre um modelo, mas há outros e importa reflectir sobre eles.
O nosso modelo também é partilhado por outros países...
É partilhado por outros países quando grande parte do financiamento assenta na tributação do património, como em Inglaterra. Mas ali não existem os problemas que nos temos cá não há construção clandestina, não há promoção imobiliária à margem de regras claras... Este seminário a é uma oportunidade para debatermos este assunto com as associações de municípios e de freguesias e com os autarcas.
A receptividade tem sido boa?
Estamos agora a começar esse diálogo. Ainda não estamos na fase mais difícil. Estamos no diagnóstico e na definição dos princípios gerais que a reforma deve estabelecer. Posso dizer que ao nível dos princípios tem havido uma concordância total da ANMP. Mas sabemos que quando passarmos dos princípios para a operacionalização poderá haver divergências.
Vamos ter uma matriz de financiamento diferente?
Eu espero que sim. O trabalho que esta a ser feito é para uma verdadeira reforma e não apenas de retoques na LFL.
Qual é a diferença entre uma reforma ou uma revisão da LFL ?
Antes de mais, desta reforma deve resultar um aumento das receitas próprias dos municípios e uma menor dependência das transferências do Orçamento do Estado. Os municípios queixam-se, e com razão, que estão à mercê do Governo central e do crescimento zero das transferências. Ora, devemos aumentar as receitas próprias do municípios, mas também teremos de diminuir os incentivos para a construção imobiliária excessiva, diminuindo o peso relativo das receitas do IMI, do IMT e das taxas associadas ao licenciamento.
Já enunciou o aumento da autonomia fiscal. Mas como se fará?
Qual é a autonomia fiscal que existe hoje? Os municípios podem escolher a taxa de derrama, entre 0 e 10%, podem escolher a taxa do IMI, dentro dos intervalos para prédios antigos e novos. E é tudo. A autonomia que o município tem para gerar receitas próprias é limitada. Se conseguirmos aumentar essa autonomia será mais um elemento para uma verdadeira reforma.
Reforçando o poder tributário dos municípios...
Sim e através da eventual autonomia dentro da partilha do IRS, que pode ser derrama ou outra coisa. O modelo de que vamos falar no seminário é de partilha de receitas, em que uma percentagem da receita de IRS, cobrada no município, fica no município. Eu não lhe quero chamar derrama porque esta incide sobre a colecta. E, ao incidir sobre a colecta, se a Assembleia da República alterar as taxas do IRS, automaticamente, sem que o município faça nada, as contas alteram-se. É possível desenhar o sistema de maneira a que essa partilha incida a montante da colecta, sobre o rendimento colectável.
Há outros princípios reveladores de uma reforma...
Pensamos ser importante incentivar as boas práticas municipais, nomeadamente ambientais. Hoje, um município que tenha um parque natural dentro da sua área de jurisdição é penalizado financeiramente, pois não pode construir lá. A pressão é para não preservar esse parque natural. Como principio, as boas práticas são fáceis de enunciar visam descriminar positivamente os municípios que tenham parques naturais, reservas ecológicas ou outras áreas que limitem a construção.
Não incorreríamos no risco de beneficiar os municípios com zonas protegidas em detrimento dos outros que as não têm?
De certa maneira sim, por isso é que digo que como princípio é fácil de enunciar e difícil de operacionalizar. Foi uma ideia que surgiu desde a tomada de posse deste grupo de trabalho. Como operacionalizar isto, é um pouco mais difícil.
Continuarão a existir três fundos de transferência para as autarquias?
Está tudo em aberto, mas esses fundos são fictícios. Aquilo que hoje se chama Fundo de Base Municipal já existia na LFL de há 20 anos, chamava-se distribuição uniforme por municípios. Era um critério dentro do Fundo de Equilíbrio Financeiro. Os indicadores dos fundos vão ser alterados, porque não são adequados para transferir dinheiro para os municípios. Vai ter de haver uma reapreciação global desses indicadores. Dou-lhe um exemplo existe um critério de financiamento relacionado com o número de freguesias. Em tempos isso justificava-se, pois o financiamento das freguesias dependia do dos municípios. Mas hoje já não depende, porque as freguesias tem um fundo próprio. Esse indicador tem o efeito perverso de estimular a fragmentação administrativa do País. É um incentivo preservo quando queremos agregar freguesias com poucos habitantes.
Mas vai haver mexidas no coeficiente desses fundos?
Claro que vai. Mas gostava de deixar claro que esta reforma não agravará a carga fiscal para os munícipes e para as empresas. Se acontecer alguma coisa é o desagravamento. Se os municípios recebem parte do IRS então tem de haver uma diminuição dos fundos e do bolo global.
A possibilidade de endividamento ficará com regras apertadas...
Há uma coisa que para mim não faz sentido. Se o Banco Central Europeu aumentar a taxa de juro, os municípios portugueses automaticamente ficam com a sua capacidade de endividamento diminuída. O endividamento dos municípios está definido em termos dos encargos com juros e amortizações. É um modelo completamente diferente do que está no Tratado de Maastricht, em que se prevê que o stock da dívida em relação ao PIB não deve exceder os 60%. Portugal e todos os países da UE, ao abrigo do Pacto de Estabilidade e Crescimento, contam com o stock da dívida e não com os encargos com o stock . O município deve ser visto à mesma escala. Porque motivo é que ao nível nacional temos duas variáveis stock da divida e PIB e ao nível municipal temos apenas os encargos com essa dívida.
publicado por alcacovas às 12:43