O forte timbre de Virgílio Maia
Timbre é um livro nobre, insígnia da poderosa força de um poeta a marcar-nos com seu ferro e sinal.
Afirma Virgílio Maia que latente no homem existe a velha vontade de deixar escrito. O poeta além de deixar escrito faz jorrar dentro de nossa alma a torrente da oralidade. Ecoam vindo do mundo mítico de seus poemas vozes de antanho, aboios dos encourados do sertão-velho, bralhar de animais de montada, alaridos de invasores tiranos, balbucios de umas primeiras gestas barbatãs, o estilhaçar das fagulhas das labaredas e sóis, balidos tristonhos, o caminhar sereno e fragoroso de todas as águas, os chocalhos de Alcáçovas, os gemidos dos carros-de-bois, embalo de redes e ninhos, assobios agudos, epigramas, endechas e elegias... cantadas pela voz dos sinos, flauta dos ventos domingueiros nas palhas dos canaviais.
Embalamo-nos pois, nesses poemas do acalanto de vozes e sons vindos do tempo velho em que o sertão foi mar.
Timbre traz-nos um mundo já impreciso, esbatido, silencioso, quase fábula. Ele nos chega clássico pela nobreza de suas palavras, imagens de seus pastoreios, tropéis, suas casas protegidas por paliçadas-muralhas e baldrames de madeira-de-lei, seus bichos de pena e casco, seus oleiros e seus cantadores e taumaturgos a palmilharem ínvias veredas, carrascal e caminhos em cruz.
Sua sonoridade traz-nos um zumbido que o tempo faz soar.
Livro que nos ilumina os sentidos pela força do poeta-trovador Virgílio Maia, a nos fazer percorrer os antigos caminhos dos sertões-de-dentro que a tantos avassala a alma.
Sesmeiro
Sesmeiro fui das largas, longas léguas
medidas pelos passos dos meus bois.
Mal começado o século XVIII,
cheguei
à fina areia do Retiro Grande
e fui
seguindo pelo Jaguaribe acima,
pela ribeira,
do Aracati a Passagem de Pedras,
depois de Russas,
até o povo de São João de Varges,
e com mulher e filhos me instalei.
Em dias de agosto de mil e setecentos e quê
por despacho do Capitão-Mor
me foram dadas,
com os olhos d’água todos, por acréscimo,
as terras do Riacho dos Porcos,
dito Amoré na língua do gentio,
pa. suas criaçõins e pa. Sy
e seus herdeiros accendentes e desendentes,
as quais terras lhe dou e concedo,
com todas as agoas
campos testadas
e Logradouro
e mais úteis q nela houveram...,
qual essas terras donos não houvessem.
Então
– e disso alguém já se queixara a El-Rey –,
era o palmo de gato desbravar
o que em infinitas braças foi pensado.
Mas nas terras do Amoré
meus gados acomodei,
os vacuns e os cavalares,
bem logo fazendo erguer
casa-grande com curral,
plantando naquelas glebas,
vendo que frutificava,
toda a minha geração
que pela vida afora há de levar
olhares e feições dos meus Açores.
Tive notícia quando,
à barra do Sitiá, adusta e bela,
se elevaram os baldrames poderosos
de uma altiva capela dedicada
à Senhora da Conceição,
padroeira também de Portugal.
E o bronze do seu sino propagava
intermináveis ecos da fé,
no verão da paisagem desolada.
Em vão testemunhei e bradei contra
as matanças inúteis perpetradas
pelo Regimento do Jaguaribe
– pobre espada cevada em carne de índio.
Ouvi dizer que o Latinista Maia,
clerigo in menoribus,
declamava A Eneida
no mormaço da tardes ocres
de um então nascente Tabuleiro d'Areia,
quando
ensinava latim aos seus alunos,
enquanto,
médico e boticário,
fazia erguer igrejas e fazendas,
pagando piedosas promessas
a uma quase olvidada
Nossa Senhora das Brotas,
mandando vir imagem
da cidade da Bahia,
posto fosse Capitão de Cavalaria.
Tanger, tangi boiadas incontáveis
pelos caminhos que não existiam,
através de caatingas que estremavam
ao Ocidente com sete-estrelo
ou nessas terras chãs dos tabuleiros,
e épsilon de Escorpião traçava o rumo.
As mercadorias vindas por mar
se transportavam em carros-de-bois,
que gemiam e chiavam tristemente,
do Aracati ao Icó.
Depois, em lombo de animal,
por ínvias veredas,
às barrancas do São Francisco,
inçadas de oxítonos topônimos tapuios,
donde iam dar
às catas de ouro das Minas Gerais.
Ao Piauí se iam buscar bois
correndo a Estrada Nova das Boiadas,
atravessando os campos de Uriá,
os formosos partidos de mimoso
de Santo Antônio do Quixeramobim
e o boqueirão do Poti,
topando-se, aqui, acolá,
com coloridas tropas de ciganos,
de destino e furor nunca sabidos.
Nas janelas do oitão,
nos parapeitos dos alpendres,
se riscavam,
a tosco lápis de carpinteiro,
marcas de gado
e se escreviam,
em tímidas quadras,
os balbucios
de umas primeiras gestas barbatãs,
inspiradas por espirituosas
talagadas de porto e de aguardente.
Foi quando um dia por aqui chegaram
esmaecidos rumores
de fato acontecido
numa das Capitanias de Baixo,
onde um moço foi
despedaçado a pata de cavalo
para gáudio da Corte
e caluda geral dos pensamentos.
Mais, havia os chocalhos de Alcáçovas,
de imbatível sonoridade,
as bonitas moedas bem cunhadas
em prata na distante Cuiabá,
que só por segura encomenda
tiniam por estas bandas.
Vi quando chegaram
as galinhas d’angola,
os porquinhos-da-índia,
rebatizados de preás-do-reino,
avivando
o sonho fazendeiro dos meninos
e alucinando
o faro astuto das cadelas prenhas.
Soube, por ouvir dizer,
dos pavorosos crimes praticados
nas disputas de estremas ou de alcovas,
dentre as famílias ditas poderosas, ricas de gerações,
mas espiritualmente tão estéreis.
Sesmeiro fui e mais relembraria,
dessas eras,
que no final, de data, me tocaram
tão só as versejadas verdes léguas,
medidas pelo metro do depois.
Retirado do http://www.continentemulticultural.com.b
E http://www.revista.agulha.nom.br
Editado por António Costa da Silva
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